terça-feira, 29 de julho de 2008

Sobre a Rotina


Conversávamos, outro dia, sobre a rotina. De cara, fizemos a ela as críticas de praxe: a rotina envenena a vida com sua uniformização, tornando-nos incapazes de perceber novas respostas e caminhos diferentes. Padronizando tudo o que pode, tornando mecânicas nossas ações cotidianas, a rotina parece nos tornar, também, seres padronizados, máquinas que respondem sempre da mesma maneira às exigências da vida. E como seria boa uma vida sem rotina! – dizíamos: evitá-la deve ser o trabalho de todo aquele que procura uma vida mais autêntica e humana, em que o imponderável, o novo e não-programado possam encontrar lugar, fazendo-nos ver sempre o mundo com olhos renovados...
A conversa ia por aí quando comecei a divagar. A rotina, descrita como uma série de procedimentos fixos, mecânicos, a qual nos submetemos, parece mesmo ser muito ruim. Mas seria essa toda a verdade do caso? Não teria ela algum aspecto que a pudesse salvar da absoluta condenação?
Há um recurso simples, que é apelar para a praticidade. Hora de acordar, de tomar banho, café, hora do ônibus: a seqüência rotineira, incorporada, facilita as coisas, já que não precisamos pensar em todas essas coisas para agir. Fazemos automaticamente. Outro exemplo é o da arte de dirigir: a angústia de todo motorista novo é ser capaz de lembrar cada um dos procedimentos que fazem o carro andar. Enquanto estas ações não se tornam uma rotina, sair de carro é motivo de ansiedade. Uma vez incorporadas e, por assim dizer, esquecidas, dirigimos quase sem perceber.
Existem situações, no entanto, em que uma tentativa de defesa da rotina não é tão simples. Por exemplo, na música Cotidiano, de Chico Buarque, o sujeito diz que

Todo dia ela faz
Tudo sempre igual
Me sacode
Às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca
De hortelã...

http://letras.terra.com.br/chico-buarque/82001/

E depois elenca toda uma seqüência repetitiva de ações que ele e a mulher fazem, e que o deixam desesperado. Sim, a rotina está aí, matando o amor dos dois, diríamos. Só que poderíamos pensar o seguinte: justamente por não haver mais amor é que a mulher e seu beijo com gosto de pasta de dente parecem a ele tão “nauseantes”, no sentido existencialista da coisa.
Continuando com o exemplo, é a rotina, que fixa certos procedimentos, que permite ao homem ver que está cheio da mulher... Se toda manhã ele fosse acordado das formas mais inusitadas, talvez não percebesse isso. Mesmo que não a amasse mais. Ele seria distraído pela falta de rotina.
Penso que a rotina não é boa ou ruim por si mesma. Adoro a rotina de acordar no domingo e ler o jornal, por exemplo. Mas detesto a rotina de acordar cedo para trabalhar. A rotina de receber um beijo, todo dia, traz saúde e alegria... Isso, se for o beijo de alguém que amamos.
Mas há um outro aspecto da rotina, ou melhor, da crítica que fazemos à rotina, que eu gostaria de lembrar. O que será que nossa vontade em fugir dela pode esconder? Fico pensando na fascinação pelo novo, essa característica tão marcante de nosso tempo. H. Arendt já disse, no seu Entre o Passado e o Futuro, que tudo o que é novo, ou é apresentado como novo, reveste-se, para nós, de uma aura positiva de eficiência, beleza e verdade.
A rotina, por definição, é o estabelecido. Estritamente falando, não pode haver uma nova rotina, ou pelo menos ela não pode existir por muito tempo: fica velha. E precisa ser abandonada, se não quisermos... entrar na rotina.
Então, criamos a rotina de escapar da rotina. A rotina de evitar a rotina. Distraímo-nos com ela. Divertimo-nos com ela. E eu penso, aqui, no divertimento de Pascal. Sempre é possível mostrar o quanto a rotina nos afasta do conhecimento de nós mesmos: mergulhamos nas atividades cotidianas de nossas vidas para esquecer de todas as nossas misérias. Diz o filósofo:

Tédio: nada é mais insuportável ao homem do que um repouso total, sem paixões, sem negócios, sem distrações, sem atividades. Sente então seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio” (Pensamentos, 131).

A rotina das tarefas, então, nos dá tudo isso: atividades e distrações. Mas, e a rotina da troca de rotina, não seria ela um sofisticado divertimento, com o qual zombamos do vulgo, sem perceber que estamos todos no mesmo barco?

Divertimentos: Quando, às vezes, me pus a considerar as diversas agitações dos homens, e os perigos e os castigos a que eles se expõem, na corte e na guerra, originando tantas contendas, tantas paixões, tantos cometimentos audazes, e muitas vezes funestos, descobri que toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa, que é não saberem ficar quietos dentro de um quarto” (Pensamentos, 139).

Toda ação humana se parece, desse jeito, com uma fuga, com uma corrida: para dentro da rotina ou contra a rotina, tanto faz; uma distração, que nos impede de ver que, para nós, o que há de mais importante é o jogo, não importa qual, e não seu resultado.

Enquanto pudermos jogar, vamos bem...
Com rotina ou sem rotina.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Incômodo...


Quem acompanha as postagens e acompanha a trajetória do NEFiC sabe que é recorrente o tema do incômodo...
Acho que o desejo de todos nós é o desejo socrático de ser a mosca no rabo do cavalo: queremos ser a mosca que incomoda o cavalo da Educação.
Mas como é difícil estar na situação de “incomodado”. Quando as rotinas, as convicções, nossas “mini-certezas”, a vida que organizamos durante muito tempo se quebra, se transforma e temos que buscar no incômodo acomodações para uma nova realidade, quando nos colocamos no lugar da “vidraça” e não da “pedra”, percebemos que não é tão fácil quanto parece, mas é mais que necessário para que possamos ser cada vez mais conscientes e coerentes.
Buscar o conhecido é sempre mais cômodo, mas buscar o desconhecido é engrandecedor a medida que nos torna mais maduros e fortes para enfrentar outros desafios - desafios estes que as rotinas nos protegem. Perceber-se no mundo com suas contradições e imperfeições é conhecer-se, tomar consciência da realidade como um todo para que possamos transformar o que é necessário. E por mais difícil que isso seja, no final de tudo, é a única forma verdadeira de transformação, pois só saberemos o que podemos vir a ser se soubermos quem somos.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Plect, Plect, Pau!

A sabedoria popular, o conhecimento cotidiano é regularmente recusado pelo mundo científico e filosófico. Aprendemos na academia métodos e técnicas para construir um conhecimento que se pretende superior, mais confiável (não nos perguntamos aos olhos de quem...); em outras palavras, aprendemos métodos e técnicas para fugir daquilo que chamamos senso comum. Mas, entendamos, inspirados no Rubem Alves: senso comum é o nome classificatório que acadêmicos deram a um tipo de conhecimento, para que os próprios acadêmicos pudessem definir que o conhecimento classificado como senso comum é inferior aos conhecimentos acadêmicos, críticos - sejam eles científicos ou filosóficos. Não nos atentamos que, muitas vezes, o que faz a academia é repetir, rearranjar, maquiar o senso comum, dando roupagem acadêmica a sabedorias mais ou menos amplamente difundidas (e, podendo assim, cobrar status ou dinheiro para fornecer esses conhecimentos, acadêmicos, à população em geral).
As sábias palavras de um conhecido (na verdade, do tio de uma amiga) são exemplo disso. Diz o Tio que "O mundo é de querer, errado é de fazer", máxima que ele conclui com a tão ininteligível quanto enfática interjeição "e Plect, Plect, Pau!". Dizer que o mundo é espaço dos desejos e que isso nos causa problemas é algo que foi feito por filósofos tão distintos e distantes quanto Descartes e Nietzsche, por exemplo. O primeiro afirmava que constitui problema humano possuir uma vontade infinita ao lado de uma razão finita: resultado, somos imperfeitos, erramos... Plect, Plect, Pau!
Em outra perspectiva, Nietzsche esbraveja ao dizer que queremos, somos dionisíacos, regidos pelo desejo e pelo instinto, somos contraditórios e incoerentes porque dominados pelo nosso querer; mas a hipócrita moral da raça humana determina que "errado é de fazer". Isso condenou a humanidade à condição que o autor chama de rebanho humano. Você deseja, não satisfaz. Plect, Plect, Pau!
Pergunto, antes de terminar, por que tiro Descartes e Nietzsche de seu eterno descanso, trazendo-os para esta postagem? Naturalmente, para referendar algo - é por isso que tantos autores são tão citados nas tantas notas das boas teses -, neste caso, a máxima do Tio. Autoridades como o pai da modernidade ou o filósofo das marteladas me permitem confirmar a tese inicial desta postagem, que há conhecimento válido, útil, verdadeiro, no senso comum. Os autores consagrados referendam o Tio.
Claro que isso aos olhos do mundo acadêmico. Sobre essa balela toda de Descartes, Nietzsches e outras filosofias, o Tio, dono de si, afirmaria com precisão: Plect, Plect, Pau!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

O Professor Analfabeto

O pior analfabeto é o Professor Analfabeto.

Ele não ouve, não vê, não pensa, não fala, apenas grita, com tudo e com todos.

Ele não participa dos acontecimentos educacionais do seu país, estado, cidade.

Ele desconhece a nova L.D.B., não conhece o Estatuto do Magistério,

Não considera os Parâmetros Curriculares Nacionais,

Menos ainda a conjuntura atual do país.

O Professor Analfabeto é tão burro que se orgulha de ser como é

E ainda estufa o peito dizendo que é líder nato, por isso, tudo sabe e tudo pode.

Não sabe este imbecil que de sua ignorância arrogante nasce o mau aluno,

O mau cidadão, o mau professor, a escola ruim e o desmantelamento de sua classe.

Mas o pior de tudo é que este tipo de Professor promove, com grande sucesso,

A deseducação das novas gerações.






Dildo e Zenaide
( Baseado em "O Analfabeto Político" de Brecht )

Ensinar a fazer perguntas certas

Rosely Sayão

Uma escola passou uma tarefa importante aos alunos da segunda série do ensino fundamental: elaborar a prova que eles mesmos fariam. A criançada ficou excitadíssima.
A classe foi dividida em pequenos grupos, a professora apresentou as regras e colocou os alunos para trabalhar. As surpresas com que se defrontaram no processo foram muitas. A primeira foi que eles não sabiam que, para fazer perguntas sobre um conteúdo, é preciso estudá-lo -e muito bem. Ponto para a escola, que soube dar mais valor às perguntas do que às respostas. Afinal, é exatamente isso que sustenta o aprendizado: ensinar a fazer perguntas certas. Além disso, a escola livrou os alunos da tradicional situação que costuma deixá-los estressados e não colabora com o processo de aprendizagem: as avaliações. A segunda surpresa dos alunos foi descobrir que, para elaborar um trabalho, é preciso dedicação e paciência, pois é necessário fazer rascunhos, reavaliar o que foi feito, reconhecer as falhas do projeto e refazê-lo inúmeras vezes. E, de novo, a escola encontrou uma ótima maneira de ensinar isso. Convidou pais para que contassem como faziam seu trabalho. Terceira descoberta dos alunos: os adultos, profissionais que são e que já passaram pela escola, também fazem rascunhos, despendem tempo e energia ao elaborar um trabalho e pesquisam, assim como erram e mudam muitas vezes o que já fizeram. E é sobre isso que vamos refletir.
Que conceito a respeito do conhecimento temos transmitido aos mais novos se eles se surpreendem quando percebem que estudar é uma tarefa que não termina nunca? Talvez seja necessário pensarmos melhor nisso, principalmente porque essa geração usa recursos tecnológicos diversos com muita facilidade. Assim é com o videogame, com o computador, com o telefone celular etc. Pode ser que estejamos permitindo que crianças e jovens tenham essa idéia do que seja aprender: um processo rápido, que começa e termina com uma brevidade incrível e que não exige dedicação, esforço, concentração, pesquisa e estudo constantes. Os pais e professores sabem o tamanho da dificuldade que tem sido cobrar dos alunos e dos filhos uma atitude de apreço ao conhecimento.
Eles, de modo geral, têm sido displicentes com tudo o que se refere aos estudos. Precisamos considerar a possibilidade de que isso possa ser resultado de uma grande falha nossa na formação intelectual deles. Mas a hipótese de que falta motivação para o estudo tem sido forte o suficiente para impedir que novas conjecturas sejam construídas. Uma possível é a de que o mundo adulto está tão indiferenciado do mundo infantil e jovem que permite aos mais novos se compararem aos adultos e acreditarem que estão no mesmo patamar no processo de aquisição do conhecimento.
Vejam a história que uma professora me contou. Em uma conversa com um aluno da quinta série que enfrenta dificuldades com a língua portuguesa, ela ouviu dele uma confissão: a de que estava desanimado com o estudo porque achava que nunca conseguiria escrever tão bem quanto ela. Ao explicar que para chegar a escrever como ela seria preciso muito exercício e muito tempo, ele perguntou, espantado, se não se aprendia a escrever bem de uma vez só. Não é interessante a pista que esse aluno nos dá? É a mesma dos que se surpreenderam com o trabalho de um profissional experiente ao executar sua função.
Mais importante do que cobrar êxito na vida escolar dos filhos é ensinar que estudo exige dedicação, esforço, concentração, organização e, principalmente, paciência e sacrifício também. Por que não?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Formação cidadã

Gosto muito deste texto, ele se encontra no site do grupo de Filosofia com Crianças do Parana

A IMPORTÂNCIA FILOSÓFICA NA FORMAÇÃO CIDADÃ

Não podemos de forma nenhuma negar, que nos últimos 30 anos as instituições de ensinos públicos e particulares, incluindo as faculdades e universidades, além das escolas geradoras da aprendizagem infantil, fundamental e médio, centraram exclusivamente seus valiosos esforços educacionais e pedagógicos, na instrução do conhecimento do ensino e domínio das disciplinas de história, português, matemática, física, biologia, química, geografia, línguas e muitas outras áreas, essencialmente, do conhecimento científico, didático, pedagógico e profissional.
Entretanto, lamentavelmente, só esqueceram de formar uma geração de jovens estudantes e doutores cidadões, inseridos ao conceito filosófico aplicável a cidadania contemporânea. Fato que infelizmente, vem contribuindo para o alargamento da delinquência juvenil, já inaugurada não apenas, com a presença de jovens e adolescentes originário de famílias pobres, carentes e miseráveis, mais progressivamente, com a forte presença de jovens, adolescentes e adultos de classes sociais privilegiadas, prostradas bem no seio da alta sociedade, as quais se tornaram figuras clichê em fatos estampados nas principais páginas policiais dos jornais, revistas e programas de televisão, dado o cometimento injustificável dos mais bárbaros crimes, irreparáveis aos olhos do legítimo conceito no papel de HOMENS CIDADÕES.
Isso significa afirmar a plena convicção, com indícios e vestígios apurados, que há muitos anos as instituições de ensinos sejam públicas ou privadas, vem patrocinando a formação e construção da personalidade de jovens e adolescentes estudantes, gerados sob o signo mecanizados de genuínos homens e mulheres robotizados, programados para o ataque como ferozes gladiadores, nas acirradas e competitivas lutas do vestibular e demais concursos públicos, além das conflitantes disputas para se engajar em serviços privados. Infelizmente, nem tão pouco, tem feito as renomadas instituições públicas e particulares, para formar as novas gerações de Homens e Mulheres de ilibado caráter e cidadania.
Este fato tem se agigantado com a exclusão social e evasão escolar, diante da discriminatória e preconceituosa ação da sociedade emergente, confundido os valores éticos e morais com o enriquecimento fácil, a vulgaridade do ato do prazer sexual, a impunidade criminal retocada pela evidente política educacional fragilizada, tudo assentado a um modelo de educação que não mais atende as necessidades básicas na prevenção e recuperação dos jovens e adolescentes na faixa que se inicia com a formação dos bons e renovais costumes.
Toda esta complexa equação social está exposta ao caos do abandono e desprezo de dezenas e milhares de jovens e adolescentes, prontos para serem adotados pela marginalidade social, diante da ausência de elementos revigoradores da educação e programas sociais antenados na reparação da problemática realidade contemporânea da BOA EDUCAÇÃO.
Cardoso Ponte (CE)