terça-feira, 23 de setembro de 2008

Filosofia, só na Europa

Por motivos diversos tenho nas últimas semanas me empenhado em buscar definições e sentidos dados por autores vários ao ato de filosofar. Numa palavra, tenho procurado entender o que os grandes filósofos entendiam por filosofia e por filosofar.
Os resultados são tão variados quanto interessantes. Muitas vezes opostos.
Heidegger, por exemplo, diz que eu - e provavelmente você - não podemos ser filósofos. Isso não só porque a filosofia é exclusivamente européia, como porque "o Ocidente e a Europa, e somente eles," são "filosóficos".
Dou-me o direito de discordar. Afinal, Heidegger fala dos caminhos por onde costumo passar com a mesma propriedade com que eu falaria da sua Alemanha...
O texto heideggeriano nos ajuda a manter viva a desconfiança dos escritos dos grandes filósofos (sim, sim, apesar disso ele é um grande filósofo):

A palavra philosophía diz-nos que a filosofia é algo que pela primeira vez e antes de tudo vinca a existência do mundo grego. Não só isto — a philosophía determina também a linha mestra de nossa história ocidental-européia. A batida expressão “filosofia ocidental-européia” é, na verdade, uma tautologia. Por quê? Porque a ‘filosofia” é grega em sua essência —e grego aqui significa: a filosofia é nas origens de sua essência de tal natureza que ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver.

Mas a essência originariamente grega da filosofia é dirigida e dominada, na época de sua vigência na Modernidade Européia, por representações do cristianismo. A hegemonia destas representações é mediada pela Idade Média. Entretanto, não se pode dizer que por isto a filosofia se tornou cristã, quer dizer, uma tarefa da fé na revelação e na autoridade da Igreja. A frase: a filosofia é grega em sua essência, não diz outra coisa que: o Ocidente e a Europa, e somente eles, são, na marcha mais íntima de sua história, originariamente “filosóficos”. Isto é atestado pelo surto e domínio das ciências. Pelo fato de elas brotarem da marcha mais íntima da história ocidental-européia, o que vale dizer do processo da filosofia, são elas capazes de marcar hoje, com seu cunho específico, a história da humanidade pelo orbe terrestre.

Extraído de "O que é isso - a filosofia?", de Martin Heidegger. Tradução de E. Stein.
Obs.: o tom crítico da mensagem é de respnsabilidade pessoal, não representando necessariamente a posição institucional do NEFiC.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Seminário - Convite

(Clique na imagem para ampliá-la)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Mais uma da Veja para nossas reflexões

É incrível como a educação é fértil para discussões, e o melhor (será?), todo mundo pode dar um pitaco..rsrs. Com tanta gente boa, em breve estaremos no topo das pesquisas....
Creio que este artigo vale uma boa discussão.

No primeiro ano de faculdade aprendi um truque que muito me auxiliou na hora de obter notas melhores. Descobri que, numa prova na qual cai um tema que você não estudou, que o pegou de surpresa, sobre um assunto de que você não sabe absolutamente nada, o melhor é não entregá-la em branco, que seria a coisa mais lógica e correta a fazer. Nessas horas, escreva sempre alguma coisa, preencha o papel com abobrinhas, pois quanto maior o número de páginas, melhor. Isso porque existem dois tipos de professor no Brasil: um deles é formado pelos que corrigem de acordo com o que é certo e errado. São geralmente professores de engenharia, produção, direito, matemática, recursos humanos e administração. Escrever que dois mais dois podem ser três ou doze, dependendo “da interpretação lógica do seu contexto histórico desconstruído das forças inerentes”, não comove esse tipo de professor. Ele dá nota dependendo do resultado, e fim de papo.
Mas, para a minha alegria, e agora também a sua, existe outro tipo de professor, mais humano e mais socialmente engajado, que dá nota segundo o critério de esforço despendido pelo aluno e não apenas pelo resultado. Se você escreveu dez páginas e disse coisas interessantes, mesmo que não pertinentes ao tema, ficou as duas horas da prova até o fim, mostrou esforço, ganhará uns pontinhos, digamos uma nota 3 ou até um 3,5. O que pode ser a sua salvação. Na próxima prova você só precisará tirar um 6,5 para compensar, e não uma impossível nota 10. Se você estudar um mínimo e usar esse truque, vai tirar um 5.
Uma vez formados, os alunos desse tipo de professor são muito fáceis de identificar. Seus textos são permeados de abobrinhas e mais abobrinhas, cheios de platitudes e chavões. Defendem que a renda deve ser distribuída pelo esforço, e não pelo resultado, e que toda criança que compete deve ganhar uma medalha. Defendem que todo professor de universidade deve ganhar o mesmo salário, independentemente da qualidade das aulas, e que a solução para a educação é mais e mais verbas do governo, sem nenhuma avaliação de desempenho.
Esses dois tipos de professor obviamente não se bicam. É a famosa briga da turma da filosofia contra a turma da engenharia. São as duas grandes visões políticas do mundo, é a diferença entre administração pública e privada. O que é mais justo, remunerar pelo esforço de cada um ou pelos resultados alcançados? O que é mais correto, remunerar pela obediência e cumprimento de horário ou pelas realizações efetivas com que cada um contribuiu para a sociedade?
Como o Brasil ainda não resolveu essa questão, não podemos discutir o próximo passo, que são as injustiças da opção feita. É justo só remunerar pelo resultado? É justo remunerar somente pelo esforço? Podemos até escolher um meio-termo, mas qual será a ênfase que daremos na educação dos nossos filhos e na avaliação de nossos trabalhadores? Ao esforço ou ao resultado?
Quem tentou ser útil à sociedade mas fracassou teria direito a uma “renda mínima”? É justo dar 3,5 àqueles cujo esforço foi justamente enganar seus professores e o “sistema”? Não seria justo dar-lhes um sonoro zero? Precisamos optar por uma sociedade justa ou uma sociedade eficiente, ou podemos ter ambas?
Como aluno, eu tive de me esforçar muito mais para as provas daqueles professores carrascos, que avaliavam resultados, do que para as provas dos professores mais bonzinhos. Quero agradecer publicamente aos professores “carrascos” pela postura ética que adotaram, apesar das nossas amargas críticas na época. Agora entendo por que tantos de nossos cientistas e professores pertencem à Academia de Letras, por que somos o último país do mundo em termos de patentes, por que tantos brasileiros recebem sem contribuir absolutamente nada para a sociedade e por que nossos políticos falam e falam e não realizam nada.
Que sociedade é mais justa, aquela que valoriza as boas intenções e o esforço ou aquela que valoriza os resultados? Uma boa pergunta para começar a discutir no retorno às aulas.
Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School (www.kanitz.com.br)
Revista Veja, Editora Abril, edição 2073, ano 41, nº 32, 13 de agosto de 2008, página 28

domingo, 7 de setembro de 2008

PENSAR A EDUCAÇÃO A PARTIR DA FILOSOFIA

Agora que a filosofia volta a integrar (por força da lei nº xx se 02 de junho de 2008) o currículo do Ensino Médio, faz-se oportuno e necessário refletir e discutir ampla e profundamente o papel desse saber civilizador no processo civilizatório ou, como diriam os gregos, no processo de hominização do homem ocidental.
Devemos acrescentar que a polêmica em torno da aceitação, validade e significação social e política do ensino da filosofia no Ensino Médio não é recente. No início dos anos 80, quando alguns estados brasileiros implantaram a filosofia, mesmo que como disciplina facultativa, em seus currículos, os ânimos se acenderam em torno de uma acirrada polêmica: uns defendiam a importância da filosofia como disciplina no Ensino Médio, outros discordavam veementemente dessa inclusão e a discussão esquentou-se e durou mais de uma década.
Nesse contexto discutiu-se muito e acaloradamente sobre a utilidade e/ou a inutilidade da filosofia.
Por isso não se deve estranhar que a polêmica seja retomada nos dias de hoje.
O que é necessário é perguntar-se por que se retoma essa polêmica frente à inclusão da filosofia como disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio.
Neste aspecto ouso arriscar uma resposta que não pretende ser única e menos ainda a melhor, mais verdadeira ou definitiva. Porém, parece-me um bom começo de reflexão.
Assim, ouso afirmar que essa polêmica surge e arde porque a filosofia ensina a pensar. A pensar com profundidade, com rigor e cuidado. A filosofia é uma disciplina e, por ser disciplina, às vezes mais às vezes menos, vai, sempre, incitar as pessoas, em especial os adolescentes e jovens, a pensarem. A filosofia é sempre, antes de ser a prática, um convite à reflexão.
Ora, se a filosofia pode, além de ensinar a pensar, incitar o pensar com rigor e profundidade, o melhor é evitá-la. Assim pensam os que têm medo da filosofia. Isto é, os que têm medo das pessoas que pensam. Assim pensaram aqueles que condenaram Sócrates à morte, no século V a. C. Assim pensaram os que condenaram o monge Giordano Bruno à fogueira e, pouco depois, prenderam a Galileu Galilei.
Essas pessoas existem ainda hoje e estão contentes com a educação escolar brasileira atual exatamente porque ela não tem ensinado a pensar. Se já ensinava pouco no passado, atualmente o faz menos ainda. E por que não o faz, se essa é, confessada e originalmente, a tarefa a que se destina a escola?
Entre as diversas possíveis razões, podemos aventar algumas hipóteses. Apenas a título de reflexão. Provavelmente por ser demasiado técnica e pensar pelo viés tecnicista. Talvez por ser conteudista, isto é, supervalorizar a transmissão de conteúdos: as verdades prontas e fechadas, cientificamente comprovadas e absolutizadas pela sociedade pragmática, imediatista e utilitarista. Talvez, ainda, por pretender equivocadamente uma impossível e falaciosa neutralidade política e ideológica.
Por todos esses motivos e alguns outros quitais, a escola não tem ensinado a pensar. No entanto, isso é benéfico às relações de dominação vigentes nas sociedades urbano-industriais que caracterizam o capitalismo moderno.
Eis um dos motivos pelos quais pessoas, grupos, partidos políticos e órgãos da grande imprensa, uns por ingenuidade outros por má fé, defendem uma educação conteudista e tecnicista. Apontando tal modelo de educação e de escola como redentora da sociedade e do homem.
Esses grupos, pessoas e instituições, geralmente falam em nome de uma pseudo-solução da crise da educação brasileira. A crise de que falam e que pretendem solucionar é sempre dada como certa, conhecida e indubitável. Porém, quase nunca é examinada com maior profundidade, ou mesmo identificada com clareza. Por outro lado, costumam apontar culpados por esta crise. Só que, mesmo entre eles, quase nunca se entendem sobre os verdadeiros culpados, os reais causadores do problema. Tampouco se afinam quanto aos responsáveis pela solução do problema. Recentemente os vimos acusando os professores de serem os únicos culpados pelas deficiências da escola e da educação no Brasil. Já o fizeram outras vezes.
Desta vez, porém, inovaram de forma mirabolante e criativa: disseram que a raiz da crise educacional no Brasil, as razões pelas quais as crianças brasileiras não aprendem e, portanto, se saíram tão mal nos exames internacionais de qualidade na educação, está no fato dos professores brasileiros serem adeptos das teorias marxista-leninistas e, pregarem, em sala de aula, o socialismo. É claro que agregaram a isso a má formação dos professores. Discurso sofismático que pode levar os leitores a concluir que a má formação, o despreparo intelectual, o pouco conhecimento científico, que levam os professores e professoras a se tornarem socialistas.
Pergunto: seriam risíveis tais afirmações acusativas?
Rindo ou chorando diante de tais afirmações, que beiram ao ridículo, vindas a lume em um conhecido veículo da grande imprensa brasileira, devemos atentar para dois aspectos que podem nos ajudar a refletir sobre estas fantasiosas e mirabolantes pregações. Ridículas e risíveis, talvez.
a) A primeira é que, todos nós sabemos que há professores bons e professores ruins em todas as redes de ensino espalhadas por esse Brasil a fora. Há professores bem preparados e bem formados e professores mal formados e mal preparados para a ação docente. Há professores de esquerda e extrema esquerda e professores de direita e extrema direita. Assim como há professores de centro. Se isso for considerado possível. No entanto, não é necessário muita inteligência para perceber que não são os professores a principal causa da crise da educação brasileira. Podemos até pensar o contrário: são os professores, de todas as cores e origens ideológicas, que ainda sustentam o que resta de uma educação que se desfaz há já algum tempo. Sem a ação e resistência desses professores e professoras, a coisa estaria muito pior.
b) O segundo aspecto que pode nos ajudar a refletir melhor sobre a educação brasileira atual é perceber que falar em crise da educação no Brasil, sem analisar com mais cuidado e atenção sua abrangência e sua significação social, sua trajetória histórica e político e, até mesmo a sua real existência (duvidar hiperbolicamente dessa existência), deixou de fazer sentido. A simples afirmação dessa suposta crise ou a aceitação incondicional da sua existência, é uma atitude carente de significado. E mais ainda se tivermos em conta o que escreveu Darcy Ribeiro, em 1970, em um curto e incisivo texto ao qual deu o título “Sobre o Óbvio”.

No entanto, essas idéias e convicções pregadas, divulgadas e propaladas por estas pessoas, grupos e órgãos da grande imprensa, me assustam. E assustam-me porque foi isso o que ocorreu na Alemanha pré-nazista, na Itália pré-fascista e no Brasil pré-regime militar.
Por isso é aconselhável a leitura do texto de Darcy Ribeiro, citado acima. Mas, também, do livro de Theodor Adorno, “Educação e Emancipação”, em especial o capítulo intitulado “Educação após Auschwitz”. Alguns textos do Dermeval Saviani, da Marilena Chauí e do Antonio Joaquim Severino. Certamente a leitura dos textos desses autores nos ajudará a pensar melhor sobre a educação e sobre certas afirmações que tentam nos impor como verdades, algumas delas mal-intencionadas e fantasiosas e, por isso, nocivas à compreensão da realidade que nos cerca. Porém, interessantes para as pessoas e grupos de extrema direita.

Dildo Brasil,

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Crianças e política

Aproveitando a polêmica da postagem sobre as musiquinhas que não saem da nossa cabeça (sejam elas do bem ou não rs), conto aqui uma história de sala de aula.
Estou trabalhando com os quintos anos (antigas quartas séries) o tema das eleições. No início do ano, quando comecei a trabalhar o tema da ética com esses alunos, antecipei que depois das férias trabalhariamos o tema da Política. Foi uma vaia completa, o desastre pedagógico! Não queriam de jeito nenhum. "Porque eu não gosto de política", "Porque todos os políticos são corruptos", porque isso e porque aquilo... O tempo foi passando, conversamos sobre Aristóteles, Kant, Platão, Shopenhauer e as crianças começarama a se interessar pelo tema. Quando voltamos das férias, a política já não era mais tão assustadora. Hoje, depois de um mês de aula, meus alunos começam a enterder a idéia de representação política e se preparam para colocar no papel a idéia de seus partidos imaginários.
Bem, mas porque estou contando essa história? Porque acredito que esse é um exemplo que demostra que política não é para os intelectuais que tem muita paciência. Política e para todos os moradores da polis. TODOS. Cada um da sua forma. As crianças ainda não vão às urnas, mas se não forem preparadas, não irão nunca de fato. Se a função da escola é preparar cidadãos, estamos pecando, e muito, no que tange a participação política... Elas também vivem mergulhadas nesse mundo de carros de som e propagandas eleitorais: deixar esse mundo a margem agora é talvez deixá-lo assim para sempre...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Educação e Eleição

É incrível a relação íntima entre educação e eleição, relação que se dá em diversos sentidos. Atualmente vivemos esta relação estando as correntes eleições em período de campanhas (portanto, pré-eleitorais). E a educação, mais notadamente a falta dela, é invariavelmente presente. Filosoficamente falando, é de espantar:

Relato 1
Em função de compromissos diversos, fico pouco em minha cidade, São Caetano do Sul. Ainda assim sofro a falta de educação dos candidatos. Dia destes eu aguardava, em minha moto, para cruzar uma das grandes avenidas da cidade. Em seu canteiro central, diversas placas (madeirites ou equivalente) com fotos feias e pouco criativas de candidatos, sustentavam-se presas entre blocos e tijolos. Uma destas placas, caída. Surpreendi-me ao ver uma imponente pick-up parar, em plena faixa da esquerda, tumultuando o trânsito. Dela, desceu um sujeito, ergueu a placa eleitoral que estava caída, ajeitou-a bem para que o vento não tornasse a derrubá-la. Qual não foi minha surpresa ao ver que a foto na placa era a do próprio sujeito que, em função da campanha própria, prejudicou o trânsito da cidade...

Relato 2
Normalmente trabalho à noite. Como no nosso país a educação superior é jogada ao período noturno - quando os estudantes já empreenderam seu maior esforço na produção, ao longo do dia, e têm que 'se virar' pra conseguir aprender à noite -, saio das minhas aulas por volta das 23h e não consigo dormir. Leio, escrevo, assisto filmes, conversos com outros notívagos... enfim... Troco, efetivamente, a noite pela manhã. Mas desde o início da campanha, sem que me fosse pedida licença, acordo invariavelmente com feias e aborrecedoras músicas de candidatos, que poluem o ambiente sonoro desde carros de som (normalmente carros muito velhos, que também poluem bastante o ambiente...). Ouço os candidatos, as músicas e os narradores durante todo o tempo em que estou em casa, de segunda a domingo. Detalhe: moro ao lado de duas escolas, uma das quais especial, além de um teatro. Lembro-me ter aprendido sobre uma lei que proíbe som alto perto das escolas... lembro-me mesmo de ter lido no código de trânsito que há um limite máximo para o volume do som emanado pelos veículos em geral... mas não me lembro de nenhum destes candidatos sonoros se preocuparem com os munícipes, neste sentido.

Pensando em toda esta falta de educação, reflito e concluo:

Reflexão
Os candidatos são pessoas individuais, privadas, que querem cuidar do bem público, elegendo-se. Como poderão cuidar do bem público depois de eleitos, se já desrespeitam o público em benefício privado, antes mesmo das eleições?

Conclusão
Outras conclusões estão por se tirar desta campanha, mas no mínimo uma tenho a registrar: não votarei em nenhum destes candidatos sonoros. Estes perderam meu voto.