Agora que a filosofia volta a integrar (por força da lei nº xx se 02 de junho de 2008) o currículo do Ensino Médio, faz-se oportuno e necessário refletir e discutir ampla e profundamente o papel desse saber civilizador no processo civilizatório ou, como diriam os gregos, no processo de hominização do homem ocidental.
Devemos acrescentar que a polêmica em torno da aceitação, validade e significação social e política do ensino da filosofia no Ensino Médio não é recente. No início dos anos 80, quando alguns estados brasileiros implantaram a filosofia, mesmo que como disciplina facultativa, em seus currículos, os ânimos se acenderam em torno de uma acirrada polêmica: uns defendiam a importância da filosofia como disciplina no Ensino Médio, outros discordavam veementemente dessa inclusão e a discussão esquentou-se e durou mais de uma década.
Nesse contexto discutiu-se muito e acaloradamente sobre a utilidade e/ou a inutilidade da filosofia.
Por isso não se deve estranhar que a polêmica seja retomada nos dias de hoje.
O que é necessário é perguntar-se por que se retoma essa polêmica frente à inclusão da filosofia como disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio.
Neste aspecto ouso arriscar uma resposta que não pretende ser única e menos ainda a melhor, mais verdadeira ou definitiva. Porém, parece-me um bom começo de reflexão.
Assim, ouso afirmar que essa polêmica surge e arde porque a filosofia ensina a pensar. A pensar com profundidade, com rigor e cuidado. A filosofia é uma disciplina e, por ser disciplina, às vezes mais às vezes menos, vai, sempre, incitar as pessoas, em especial os adolescentes e jovens, a pensarem. A filosofia é sempre, antes de ser a prática, um convite à reflexão.
Ora, se a filosofia pode, além de ensinar a pensar, incitar o pensar com rigor e profundidade, o melhor é evitá-la. Assim pensam os que têm medo da filosofia. Isto é, os que têm medo das pessoas que pensam. Assim pensaram aqueles que condenaram Sócrates à morte, no século V a. C. Assim pensaram os que condenaram o monge Giordano Bruno à fogueira e, pouco depois, prenderam a Galileu Galilei.
Essas pessoas existem ainda hoje e estão contentes com a educação escolar brasileira atual exatamente porque ela não tem ensinado a pensar. Se já ensinava pouco no passado, atualmente o faz menos ainda. E por que não o faz, se essa é, confessada e originalmente, a tarefa a que se destina a escola?
Entre as diversas possíveis razões, podemos aventar algumas hipóteses. Apenas a título de reflexão. Provavelmente por ser demasiado técnica e pensar pelo viés tecnicista. Talvez por ser conteudista, isto é, supervalorizar a transmissão de conteúdos: as verdades prontas e fechadas, cientificamente comprovadas e absolutizadas pela sociedade pragmática, imediatista e utilitarista. Talvez, ainda, por pretender equivocadamente uma impossível e falaciosa neutralidade política e ideológica.
Por todos esses motivos e alguns outros quitais, a escola não tem ensinado a pensar. No entanto, isso é benéfico às relações de dominação vigentes nas sociedades urbano-industriais que caracterizam o capitalismo moderno.
Eis um dos motivos pelos quais pessoas, grupos, partidos políticos e órgãos da grande imprensa, uns por ingenuidade outros por má fé, defendem uma educação conteudista e tecnicista. Apontando tal modelo de educação e de escola como redentora da sociedade e do homem.
Esses grupos, pessoas e instituições, geralmente falam em nome de uma pseudo-solução da crise da educação brasileira. A crise de que falam e que pretendem solucionar é sempre dada como certa, conhecida e indubitável. Porém, quase nunca é examinada com maior profundidade, ou mesmo identificada com clareza. Por outro lado, costumam apontar culpados por esta crise. Só que, mesmo entre eles, quase nunca se entendem sobre os verdadeiros culpados, os reais causadores do problema. Tampouco se afinam quanto aos responsáveis pela solução do problema. Recentemente os vimos acusando os professores de serem os únicos culpados pelas deficiências da escola e da educação no Brasil. Já o fizeram outras vezes.
Desta vez, porém, inovaram de forma mirabolante e criativa: disseram que a raiz da crise educacional no Brasil, as razões pelas quais as crianças brasileiras não aprendem e, portanto, se saíram tão mal nos exames internacionais de qualidade na educação, está no fato dos professores brasileiros serem adeptos das teorias marxista-leninistas e, pregarem, em sala de aula, o socialismo. É claro que agregaram a isso a má formação dos professores. Discurso sofismático que pode levar os leitores a concluir que a má formação, o despreparo intelectual, o pouco conhecimento científico, que levam os professores e professoras a se tornarem socialistas.
Pergunto: seriam risíveis tais afirmações acusativas?
Rindo ou chorando diante de tais afirmações, que beiram ao ridículo, vindas a lume em um conhecido veículo da grande imprensa brasileira, devemos atentar para dois aspectos que podem nos ajudar a refletir sobre estas fantasiosas e mirabolantes pregações. Ridículas e risíveis, talvez.
a) A primeira é que, todos nós sabemos que há professores bons e professores ruins em todas as redes de ensino espalhadas por esse Brasil a fora. Há professores bem preparados e bem formados e professores mal formados e mal preparados para a ação docente. Há professores de esquerda e extrema esquerda e professores de direita e extrema direita. Assim como há professores de centro. Se isso for considerado possível. No entanto, não é necessário muita inteligência para perceber que não são os professores a principal causa da crise da educação brasileira. Podemos até pensar o contrário: são os professores, de todas as cores e origens ideológicas, que ainda sustentam o que resta de uma educação que se desfaz há já algum tempo. Sem a ação e resistência desses professores e professoras, a coisa estaria muito pior.
b) O segundo aspecto que pode nos ajudar a refletir melhor sobre a educação brasileira atual é perceber que falar em crise da educação no Brasil, sem analisar com mais cuidado e atenção sua abrangência e sua significação social, sua trajetória histórica e político e, até mesmo a sua real existência (duvidar hiperbolicamente dessa existência), deixou de fazer sentido. A simples afirmação dessa suposta crise ou a aceitação incondicional da sua existência, é uma atitude carente de significado. E mais ainda se tivermos em conta o que escreveu Darcy Ribeiro, em 1970, em um curto e incisivo texto ao qual deu o título “Sobre o Óbvio”.
No entanto, essas idéias e convicções pregadas, divulgadas e propaladas por estas pessoas, grupos e órgãos da grande imprensa, me assustam. E assustam-me porque foi isso o que ocorreu na Alemanha pré-nazista, na Itália pré-fascista e no Brasil pré-regime militar.
Por isso é aconselhável a leitura do texto de Darcy Ribeiro, citado acima. Mas, também, do livro de Theodor Adorno, “Educação e Emancipação”, em especial o capítulo intitulado “Educação após Auschwitz”. Alguns textos do Dermeval Saviani, da Marilena Chauí e do Antonio Joaquim Severino. Certamente a leitura dos textos desses autores nos ajudará a pensar melhor sobre a educação e sobre certas afirmações que tentam nos impor como verdades, algumas delas mal-intencionadas e fantasiosas e, por isso, nocivas à compreensão da realidade que nos cerca. Porém, interessantes para as pessoas e grupos de extrema direita.
Dildo Brasil,