segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Tradição da agressão

Michel Foucault mostra em diversas de suas obras como é tradição da sociedade ocidental agredir, de diversas formas, os diferentes. Criar manicômios e presídios, como muros altos e sob forma de depósito-de-gente-indesejável, são algumas das mais comuns maneiras que a nossa sociedade utiliza para "tirar do raio de visão" dos cidadãos de bem (entenda-se: da mediocridade social) aqueles e aquelas que nos fazem lembrar que não está tudo bem em nossa sociedade.
Esse tipo de estratégia, de esconder o fracasso social, tem sido parte de nossa cultura. É, acredito, um dos motivadores dos fatos descritos nesta matéria, publicada no jornal Diário do Grande ABC.
Para quem quiser buscar em Foucault mais explicações sobre, sugiro "Vigiar e punir", sobre as prisões; e "A história da loucura".

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Pais dizem agredir filhos deficientes
Adriana Ferraz
Do Diário do Grande ABC



--------------------- Crianças portadoras de deficiência mental correm mais risco de sofrer maus-tratos praticados pelos pais. A taxa de agressões chega a ser dez vezes maior, segundo revela o psicólogo e especialista em violência infantil Paulo Pinto Alexandre.

Pesquisa realizada em clínica particular da região – que não pode ser identificada, condição pré-estabelecida pela clínica para que a pesquisa fosse realizada – revela que 72,7% dos 132 pais entrevistados assumem que apelam para punições físicas ou psicológicas no convívio com filhos especiais. Desse total, 12,1% praticam agressões consideradas graves, como queimaduras (com água quente ou ponta de cigarro) e surras.

Os resultados foram obtidos mediante questionários aplicados a pais e a mães que cuidam de crianças de zero a 12 anos com qualquer tipo de deficiência mental.

A condição de saúde torna a criança ainda mais dependente, principalmente da mãe, figura constante e, na maioria das vezes, responsável pela criação. Mas, apesar dos laços maternos, é a mulher que mais agride.

“As mães representam 88% dos nossos entrevistados. Elas estão sempre por perto e, independente da idade ou classe social, apelam mais aos castigos físicos, leves ou graves”, diz o pesquisador do Mackenzie, Paulo Pinto Alexandre.

Os meninos tendem a apanhar mais que as meninas e de forma constante. A agressão é justificada como tentativa de educar, à força e sob ameaças psicológicas.

“A constatação obtida por meio dos questionários é surpreendente. O índice de punições físicas graves é muito alto. Sinal de que é preciso trabalhar melhor os pais. Para impedir a violência é necessário incentivar e treinar o diálogo familiar.”

A instituição que cuida da saúde e da educação das crianças é parte essencial no projeto, segundo o psicólogo e autor da pesquisa. “Os tratamentos são feitos por três dias da semana. O contato entre pacientes, familiares e profissionais é grande e importante, até para que haja denúncias, se necessário, aos órgãos competentes. Agressão contra menor é crime”, completa.

A clínica pesquisada receberá uma cópia dos resultados para trabalhos internos.


Pais que apanharam na infância tendem a bater em crianças
Adriana Ferraz
Do Diário do Grande ABC


Pais que sofrem violência na infância tendem a praticar agressões contra os filhos, saudáveis ou com qualquer tipo de deficiência física e mental. É a chamada reprodução de comportamento, que funciona como um círculo vicioso nos lares brasileiros.

Apesar de hereditária, a violência sofre alterações de geração para geração. A pesquisa realizada com pais e mães de crianças especiais revela também que os tipos de agressões usadas mudam.

“Cerca de 53% dos entrevistados, por exemplo, afirmam que apanhavam de cinta, quando crianças. Outros eram agredidos com cabos de vassoura, chicotes e correias de máquinas de costura”, diz o psicólogo Paulo Pinto Alexandre. Hoje, a violência inclui queimaduras, espancamentos, sufocamentos e ameaças com armas de fogo.

AMOR

Mas a realidade evidenciada em estudo pode ser transformada na prática. Felizmente, nem todos os responsáveis por crianças ou mesmo adultos com deficiência mental usam de violência. Na casa da família Brito, de Santo André, as dificuldades foram superadas com amor.

“Meu filho completou um ano de vida internado no hospital. Ele teve convulsões e sofreu três paradas cardíacas. Por Deus sobreviveu e hoje trabalha e namora. Está com 26 anos e ainda é criado embaixo da saia da mãe”, conta o pai Jayr Pereira Brito, 66 anos.

Para o aposentado, pais que agridem filhos com deficiência são covardes e não sentem amor. “O Kléber tem deficiência mental leve, causada por falta de oxigênio no cérebro, mas é uma bênção para nós. Temos outros dois filhos e todos são tratados da mesma maneira.” Jayr nunca foi agredido pelos pais na infância.

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