quarta-feira, 19 de março de 2008

Existência e essência

Conversava com um amigo por e-mail (conversas de tempos pós-modernos[?]) sobre a existência ou não de uma determinada coisa. Para quem não freqüenta o universo filosófico pode parecer "papo de doidos", mas não é (eu acho).
Uma coisa é determinar a existência de algo concreto, material - daquilo que alguns filósofos da ciência chamam de realidade objetiva. Poderia parecer inutilidade, por exemplo, discutir a existência ou não do monitor em que você está lendo esse blog (ainda que há filósofos que o façam... e com alguma razão...).
Mas outra coisa é determinar a existência de algo abstrato. Por exemplo: imagine você e seu grupo de amigos. Cada um dos seus amigos existe, é uma realidade objetiva. Individualmente, a existência está dada. Mas o que permite afirmar com propriedade que "o grupo" existe? Sobretudo porque essa entidade abstrata, "o grupo", é profundamente subjetiva: depende da visão e da percepção que cada um tem desta abstração. Trata-se, assim, de uma realidade subjetiva. Veja-se que o fato de ser subjetiva não faz com que seja menos real que a realidade objetiva.
Continuemos com o grupo de amigos do exemplo acima. À pergunta: o que permitiria afirmar que o grupo (não os indivíduos) existe?, a Filosofia proporia um sem-número de respostas possíveis. Uma das mais originárias da tradição filosófica assumiria o idealismo platônico como posição. Há uma idéia de grupo, da qual todos os indivíduos desse grupo participam, cada qual a sua maneira. Essa idéia poderia ser o elemento de unidade dos indivíduos, garantindo a exsitência do grupo mesmo que ele deixasse de se reunir (ou a-grupar) por muitos anos. Neste sentido, a essência é a própria existência.
Essa última afirmação - a essência é a própria existência - necessariamente faz lembrar uma importante máxima filosófica contemporânea: a existência precede a essência. Evidentemente que esta diverge, mais, é oposta à anterior. Aqui, entende-se que a existência do grupo, sua ação prática, é quem formaria e moldaria um grupo enquanto tal, e nesse moldar-se o grupo constituiria, a partir dos atos existentes, sua essência. Essa segunda tese, talvez possa ser ilustrada nas palavras de Jean-Paul Sartre, quando diz que "só há realidade na ação [...] só existe na medida em que se realiza, não é, portanto, nada mais do que o conjunto dos seus atos, nada mais do que a sua vida". Se o grupo não se reúne, não se "a-grupa", não há ação e portanto não há realidade, o que levará por sua vez à inexistência ou à perda da essência.
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É no mínimo curioso como a Filosofia pode dar sentido a uma discussão aparentemente tão abstata, tal qual a existência ou não de algo...

A citação foi extraída do texto O existencialismo é um humanismo, de Sartre.

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