Quando os europeus inventaram aquilo que chamaram de universidade, por volta do século XII, imaginavam que seria possível dar ao homem uma formação de tal modo completa que nada deixasse de ser compreendido por aqueles que passassem por ela. Esse sonho medieval estava longe da idéia de se abarrotar a cabeça do estudante com todo o conhecimento possível, o que seria um acúmulo inútil de informações. Montaigne traduziu bem esse espírito ao afirmar que mais valia uma cabeça bem feita que uma cabeça bem cheia. Os medievais eram sutis: compreender tudo não é o mesmo que saber tudo, mas indica antes a necessidade de um ponto de apoio, um ponto de vista que nos dê uma imagem ou apreensão da realidade que tenha sentido e seja conseqüente para nossas ações. A universidade, no seu nome, carrega essa vocação: universitas refere-se, entre outras coisas, a uma instituição que verse sobre o um (o uni da palavra universidade), esse um significando tudo aquilo que nos rodeia. O que se esperava de um universitário, portanto, é que tivesse essa visão do todo, que se colocasse em um local de onde pudesse tirar uma opinião razoável sobre o real, sobre a vida, sobre o mundo.
Só que essa idéia medieval, se em algum momento foi posta em prática, hoje está francamente em decadência, já que no mundo contemporâneo trocamos de ênfase: no lugar de nos ocuparmos em compreender o todo, somos levados a crer que o mais importante é dominar o específico, o detalhe. Ainda quando ouvimos falar da importância de uma formação abrangente, humanista ou holística, ela é, muitas vezes, lembrada como a maneira mais eficaz de se conseguir sucesso em um campo quase sempre particular: a carreira ou a profissão. A naturalização do discurso econômico na modernidade, que substituiu o Deus cristão dos medievais pelo Mercado, causou uma transformação tão profunda quanto imperceptível: somos tranqüilamente levados a crer que a tarefa da educação, e em especial da educação superior, seja a de facilitar nossa vida, ou, dito de outro modo, colocar toda a gente no tal Mercado. Na verdade, é justamente o contrário: a universidade deveria abrir as portas para complexidade da condição humana, e isso não é alguma coisa fácil ou simples. Acreditar que o sucesso econômico ou profissional seja o indicador mais adequado dos resultados da formação universitária é prova de ignorância histórica, pelo menos. Mas será também a prova de uma ignorância cultivada nos bancos da universidade, tantas vezes incapaz de ensinar a compreender.
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