Como contribuição à discussão sobre como devemos definir, nos tempos de hoje, conceitos escorregadios como disciplina, liberdade, autonomia e formação, vai este texto de Postman (o título é meu):
Diversão até a Morte
Neil Postman
“Orwell temia que os livros fossem proibidos; Huxley tinha medo de que não houvesse razão alguma para proibi-los, porque ninguém pretenderia ler livro algum. Orwell temia que nos ocultassem a verdade; Huxley temia que a verdade se fundisse num mar de futilidades. Orwell temia que todos terminássemos num cativeiro permanente, enquanto que Huxley previa nossa degeneração numa total superficialidade. Ou seja, Orwell previa que marchando compassadamente e aprisionados, seríamos conduzidos ao ocaso, enquanto que Huxley estava convencido de que sozinhos, sem ajuda nenhuma, espontaneamente, dançaríamos até o precipício - com um sorrizinho idiota.”
(...)
“Sabido é que o mundo inteiro é um teatro. Mas que o mundo inteiro seja, além disso, uma tele-comédia, não deixa de causar surpresa, com exceção, é claro, de Aldous Huxley. Mas não nos enganemos: a televisão não se limita a ser meio de diversão, é toda uma filosofia em torno do discurso público, tão capaz de transformar toda uma cultura, como em seu tempo o foi a imprensa. Entre outros méritos a palavra impressa criou a moderna idéia de prosa, com a qual conferiu ao princípio de exposição pormenorizada uma autoridade antes não conhecida, na condução de assuntos públicos. A televisão, ao contrário, deprecia a exposição, por ser séria, conseqüente, racional e complexa. Em seu lugar, oferece uma nova modalidade de discurso público em virtude do qual tudo se faz acessível, simplista, concreto e, mais que tudo, divertido! A conseqüência disto é que os EUA seja a primeira cultura em perigo, literalmente, de caminhar divertindo-se, para a morte. E parece que, muitas partes do mundo têm ânsias febris de acompanhar-nos nesta nefasta aventura.”
(...)
“Existem, pois, dois caminhos para necrotizar o espírito de uma cultura. O primeiro, o de Orwell mostra como a própria cultura se converte em cárcere; o segundo, o de Huxley, deixa que a cultura degenere na piada, no teatro frívolo. Para nós é muito mais fácil perceber o primeiro processo e nos defender dele quando os muros se aproximam: dificilmente podemos permanecer indiferentes às vozes dos Sakharov, dos Timmermann, dos Walesa; e confrontados com o mar de adversidades nos armamos com o espírito de Luther, Milton, Bacon, Voltaire, Goethe ou Jefferson. No entanto o que acontece quando não se escuta grito de angústia nenhum? Quem empunha as armas contra uma avalanche de diversões? Com quem, quando e em que tom nos queixamos quando qualquer discurso sério se dissolve em riso dissimulado? Existe, acaso, algum antídoto para uma cultura em vias de, literalmente, morrer, de rir? Eu temo, senhoras e senhores, que neste assunto, nossos filósofos nos tenham deixado, até agora, desamparados.”
(Fragmentos do discurso na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de 1984. Neil Postman (1931-2003), foi professor na Universidade de Nova Iorque).
Neil Postman
“Orwell temia que os livros fossem proibidos; Huxley tinha medo de que não houvesse razão alguma para proibi-los, porque ninguém pretenderia ler livro algum. Orwell temia que nos ocultassem a verdade; Huxley temia que a verdade se fundisse num mar de futilidades. Orwell temia que todos terminássemos num cativeiro permanente, enquanto que Huxley previa nossa degeneração numa total superficialidade. Ou seja, Orwell previa que marchando compassadamente e aprisionados, seríamos conduzidos ao ocaso, enquanto que Huxley estava convencido de que sozinhos, sem ajuda nenhuma, espontaneamente, dançaríamos até o precipício - com um sorrizinho idiota.”
(...)
“Sabido é que o mundo inteiro é um teatro. Mas que o mundo inteiro seja, além disso, uma tele-comédia, não deixa de causar surpresa, com exceção, é claro, de Aldous Huxley. Mas não nos enganemos: a televisão não se limita a ser meio de diversão, é toda uma filosofia em torno do discurso público, tão capaz de transformar toda uma cultura, como em seu tempo o foi a imprensa. Entre outros méritos a palavra impressa criou a moderna idéia de prosa, com a qual conferiu ao princípio de exposição pormenorizada uma autoridade antes não conhecida, na condução de assuntos públicos. A televisão, ao contrário, deprecia a exposição, por ser séria, conseqüente, racional e complexa. Em seu lugar, oferece uma nova modalidade de discurso público em virtude do qual tudo se faz acessível, simplista, concreto e, mais que tudo, divertido! A conseqüência disto é que os EUA seja a primeira cultura em perigo, literalmente, de caminhar divertindo-se, para a morte. E parece que, muitas partes do mundo têm ânsias febris de acompanhar-nos nesta nefasta aventura.”
(...)
“Existem, pois, dois caminhos para necrotizar o espírito de uma cultura. O primeiro, o de Orwell mostra como a própria cultura se converte em cárcere; o segundo, o de Huxley, deixa que a cultura degenere na piada, no teatro frívolo. Para nós é muito mais fácil perceber o primeiro processo e nos defender dele quando os muros se aproximam: dificilmente podemos permanecer indiferentes às vozes dos Sakharov, dos Timmermann, dos Walesa; e confrontados com o mar de adversidades nos armamos com o espírito de Luther, Milton, Bacon, Voltaire, Goethe ou Jefferson. No entanto o que acontece quando não se escuta grito de angústia nenhum? Quem empunha as armas contra uma avalanche de diversões? Com quem, quando e em que tom nos queixamos quando qualquer discurso sério se dissolve em riso dissimulado? Existe, acaso, algum antídoto para uma cultura em vias de, literalmente, morrer, de rir? Eu temo, senhoras e senhores, que neste assunto, nossos filósofos nos tenham deixado, até agora, desamparados.”
(Fragmentos do discurso na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de 1984. Neil Postman (1931-2003), foi professor na Universidade de Nova Iorque).
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